Por Gabriel Augusto
Professor de Geografia, Doutorando pela UFPE
As escolas aparecem
no relato de pessoas LGBTQIA+ retratadas como espaços onde somos atingidos
pelas mais variadas formas de violência. A piada do professor, a discriminação
dos colegas de sala, o desrespeito da identidade de gênero nas listas de
frequência, na restrição ao uso do banheiro e mesmo a agressão física fazem
parte da rotina. Estudantes LGBTQIA+ passam a viver o espaço escolar não como
um lugar de aprendizagem, mas de sofrimento.
Relatos como estes
podem ser vistos no documentário “Se essa escola fosse minha”,
onde pessoas LGBTQIA+ de várias idades relatam suas experiências com a escola a
partir da sua posição dissidente em relação aos padrões cis-heteronormativo. A
geógrafa feminista Joseli Silva utiliza a expressão espaço interdito para falar dos
lugares em que são vividos sofrimento e exclusão para comunidade LGBTQIA+,
inviabilizando que esta ali permaneça. Mais uma vez a escola é apontada como
lugar hostil para nossas vidas.
Com base nesses
relatos, deveríamos estar pensando no que fazer para combater a lgbtfobia no
espaço escolar. Essa violência prejudica não só a qualidade dos processos
educativos, mas contribui para a evasão que reforça a exclusão futura no mundo
do trabalho. Contudo, o que temos visto crescer nos últimos anos é busca
sistemática do fundamentalismo religioso cristão de impedir que na escola sejam
debatidos temas como sexualidade e as relações de gênero.
Assistimos na
discussão do Plano Nacional de Educação, seguida dos planos estaduais e
municipais, uma cruzada reacionária contra o que chamam de “ideologia de
gênero”. A bancada fundamentalista retirou onde pôde quaisquer menções aos
estudos de gênero dos planos. Os medievais parlamentares chegaram ao ridículo
de remover em uma cidade a expressão “gênero alimentício”. Tudo feito em nome da “moral e dos bons
costumes”, da “defesa da família tradicional”.
A consequência de levar adiante a política dos
fundamentalistas é um reforço de práticas excludentes e violentas na escola em
relação aos LGBTQIA+. Um retrocesso quando observamos que desde a década de 90,
com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a abordagem das relações de gênero e
da orientação sexual estava presente nos temas transversais.
O Recife não escapou desta agenda fundamentalista para
a educação. Em 2015, destaques da bancada fundamentalista retiraram do Plano
Municipal de Educação as menções ao gênero como temática a ser trabalhada. No
ano de 2016, um dos vereadores mais influentes da câmara municipal propôs um
projeto de lei (PL) para retirar das escolas os livros que tratassem de gênero
e sexualidade. A iniciativa foi batizada pelo movimento como PL da Caça aos
Livros.
Graças à resistência organizada de uma articulação de
movimentos sociais, ONGs, sindicalistas, ativistas dos direitos das mulheres e
das LGBTQIA+, o projeto de lei não prosperou. Das lutas para impedir o
retrocesso na educação que o fundamentalismo religioso tentava impor no
parlamento, surgia em 2016 no Recife a Frente Pela Diversidade. Uma experiência
exitosa que buscou nos meses seguintes construir uma agenda de trabalho que nos
retirasse da incômoda posição de apenas frear o retrocesso. A campanha
“Educação com Igualdade”, que tratava das relações de gênero na escola, foi o
principal fruto daquela articulação.
Estamos em 2021 e o fundamentalismo religioso
encontrou uma nova pauta para mobilizar o ódio contra as pessoas LGBTQIA+. Os
mesmos que inventaram a “ideologia de gênero” para reforçar violências contra
mulheres e LGBTQIA+ agora querem impedir o uso da linguagem neutra nas escolas,
interferindo na autonomia pedagógica de docentes e mesmo o uso de determinadas
palavras/expressões por estudantes. Projetos nesse sentido já tramitam na
Câmara Federal, na ALEPE e na Câmara do Recife.
Sabemos que as línguas como a portuguesa são vivas,
possuem variabilidade, estando em transformação ao longo do tempo e em cada
lugar. Mas não é esse debate que os fundamentalistas pretendem fazer. A tática
deles permanece a mesma: levar o jogo para um terreno discursivo formatado para
mobilizar o pânico moral que lhes dá um saldo eleitoral. Não podemos cair nessa
armadilha. Por isso, acredito que é necessário estarmos vigilantes com a
tramitação dessas propostas, discutindo coletivamente como confrontá-las. Elas
expressam a continuidade de um projeto fundamentalista para a educação
brasileira.
Precisaremos então nos perguntar: qual o nosso
projeto? Como dar passos na direção de uma escola que não produza os tristes
relatos de pessoas LGBTQIA+ que abandonaram seus estudos? O combate aos
projetos fundamentalistas é importante na disputa pelo sentido da educação e da
escola. É preciso recuperar a experiência da Frente Pela Diversidade para
resistirmos a estes projetos, mas também para imaginarmos uma escola engajada
na superação da lgbtfobia,do machismo, do racismo... e darmos passos firmes na
sua direção.
**TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM Rede Meu Recife.
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