quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Conjuntura Educacional

OS DO(C)ENTES DA ESCOLA PÚBLICA

Profº Flávio Brayner (flaviobrayner@hotmail.com)


Há uma imensa dívida que a nossa precaríssima experiência republicana insiste em não reembolsar: ela diz respeito à educação pública e consiste na sua incapacidade institucional em oferecer a qualidade pedagógica (escolar, didática, conteudística, material, etc) necessária à atribuição de competências a cada egresso do sistema. 
Trata-se, com efeito, de uma espécie de “dívida política” na exata medida em que penso tais “competências” como a capacidade dos indivíduos de decidirem sobre suas vidas, o destino comum da Cidade ou o rosto de nossas instituições, atribuições que a escola poderia muito bem oferecer. 
Sem isso, falar de “educação para cidadania” não passa de cantinela vazia, mais apropriada à verborragia de nossos políticos do que à definição de políticas públicas. Mesmo aqueles que não a frequentaram ou que tiveram seus filhos ali matriculados, sabem sobejamente que nossa escola pública está doente. 

Pernambuco, então, apresenta os piores índices nacionais de performance escolar, indicadores desastrosos que, no entanto, não impediram que um ex-Secretário de Educação de Estado pudesse, estranhamente, receber uma prestigiosa comenda de um Universidade européia por seu desempenho público! Não bastasse esse lamentável quadro, resultado de um projeto republicano de fachada, composto de “republicanos” envergonhados de nossa composição demográfica e que teve imensas dificuldades de entender que projeto “nacional” exigia a formação de um “povo”, que, por sua vez, exigia educação e instrução públicas, vem agora à luz a tese de Maria Luiza Maciel Mendes –“A saúde docente no contexto de valorização do magistério”- (orientado pela minha amiga, a Professora Janete Azevedo) sobre a situação de saúde dos professores da Rede Municipal de Recife, revelando que, para além de uma instituição fragilizada (apesar dos imensos esforços de melhoria), estamos diante de professores doentes e, pior, vítimas do que se convencionou chamar de Síndrome de burnout. 

O cenário descrito pela Professora Maria Luiza Maciel é muito preocupante e aponta para um número estratosférico de horas/ano não trabalhadas por professores licenciados em função de tratamentos de saúde. O problema é que se trata, não de ‘acidentes’ de trabalho (o que pode ocorrer em qualquer lugar e em qualquer profissão), mas de “doença profissional”, quer dizer, de pessoas que adquirem certas e precisas doenças em função da ocupação que exercem. No caso dos professores investigados pela pesquisa, ocorre uma inquietante incidência de doenças das cordas vocais, elevado número de docentes estressados, deprimidos, portadores de Síndrome de pânico ou psicologicamente afetados pelas condições de trabalho em um meio social profundamente desassistido por políticas públicas de qualidade. 
 O complicado nome de “Síndrome de burnout”, tema central do estudo, refere-se ao lento processo de perda de laços identitários, de desafecção profissional que toca uma parte dos professores estudados. 
A gravidade do quadro pode ser melhor medida da forma seguinte: sempre que me perguntam “O que eu sou?”, eu não respondo: “_Sou alguém que sofre, que ama ou odeia, que tem filhos, etc”, eu respondo na verdade pelo “o que eu faço” e digo que “_Sou professor”! A resposta mostra até que ponto nós identificamos o que somos com o que fazemos (profissionalmente). Daí porque a tal Síndrome parece indicar que perder os laços de pertencimento profissional pode significar a perda simplesmente de nossas amarras identitárias, ao ponto de, in extremis, não sabermos mais “quem somos”... 
A situação descrita e refletida na tese de Luiza Maciel chama a atenção pelo menos por uma coisa: a carreira de professor (sobretudo da escola pública), ainda entendida por muitos como missão e vocação, atrai contingentes cada vez menos convencidos da grandeza e legitimidade da profissão. Mas, uma vez lá dentro, pode-se descobrir, desolado, que nela eu posso ser levado a deixar de saber, finalmente,...”quem eu sou”!

Conjuntura Educacional - I

"Eu ia escrever sobre a situação dos professores contratados pela prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, após receber o email que segue abaixo. Desisti. Melhor reproduzir o texto na íntegra, que fala melhor do que eu poderia fazer" (por Marco Bahé, do Blog Acerto de Contas)


"Caro Marco, por meio desta, gostaria que se fizesse público o trato que é dado à educação e aos profissionais em Jaboatão. Sou professor contratado daquele município desde 01/08/2007 e até o momento não recebi nenhum Real sequer! Já procurei as secretarias de Educação e Administração, mas as respostas que obtenho são inadmissíveis. Segue algumas barbáries que já escutei (barbáries sim, pois com muito sacrifício entrei na Universidade Federal de Pernambuco por ser um aluno vindo da mesma rede pública precária). Procurando a secretaria de educação escutei:- O senhor está reclamando de barriga cheia, pois quando o dinheiro sair, sairá todo de uma vez. - Os contratos estão na mesa do secretário e do prefeito à espera da assinatura. - Não saiu o seu dinheiro devido à lei de responsabilidade fiscal. - dia 07/12/2007 sairá uma folha complementar e “se” você estiver registrado sairá seu dinheiro. Esta última resposta obtive hoje. Agora veja só, não faltei às minhas obrigações como profissional em nenhum momento, ensino em turmas abarrotadas de alunos. A capacidade das salas é de 25 alunos e comportam 43 sem nenhuma ventilação. Diante de todas essas dificuldades, ainda somos obrigados a receber tais respostas. São vários professores na mesma situação, têm alguns que já foram até a rádio pedir ajuda, pois nem comida tinham para suas famílias! 
Agradeço desde já a solidariedade."